Sandra Regina de Toledo, São Paulo, SP.
“Sandra, tenho uma coisa pra te falar, mas eu preciso que você fique calma, eu sei que é preocupante, eu também tive um câncer de mama e...”. Quando eu escutei a palavra ‘câncer’ vindo da boca da médica, eu perdi meu chão. Tudo se escureceu pra mim. Aline, minha filha, que me acompanhava na consulta, apertou a minha mão e começou a chorar. Eu pensei nela e no meu caçula, Gabriel, que só tinha 10 anos e estava me esperando em casa. Entrei em desespero.“Doutora, me ajuda. Estou sem convênio médico, sem dinheiro para tratamento particular, estou cheia de dívidas, recomeçando minha vida profissional, tenho um filho pequeno pra criar, eu não quero morrer...”, falei, chorando e ajoelhada. O diagnóstico do câncer de mama aconteceu no ano de 2014, aos meus 46 anos, em um dos momentos mais difíceis da minha vida.
Antes dessa notícia, eu estava tentando me reerguer após um relacionamento abusivo que vivi no meu segundo casamento, com o pai do meu caçula. Eu me apaixonei cegamente por um homem sem caráter que tirou tudo o que eu tinha: o meu negócio próprio, meu dinheiro, minha paz, minha alegria, minha autoestima e minha saúde. De um dia para o outro, eu perdi tudo. Dessa relação me sobraram dívidas, meu filho amado para criar sozinha, e uma tristeza muito grande. Eu acredito que toda a minha tristeza se transformou nesse câncer.
Foi bem nessa época que eu comecei a sentir um carocinho na minha mama, perto da aureola. Eu tinha feito exames cinco anos antes para uma cirurgia de implante de silicone, então, aquele carocinho eu sabia que era coisa nova. Corri para o postinho de saúde e o médico me disse que não era nada. Eu não aceitei essa resposta e também não fiquei em paz. Aí, pedi dinheiro emprestado pra minha mãe e marquei uma especialista. A doutora solicitou com urgência um exame chamado punção. O exame custava R$ 1200. Eu me lembro que eu mal dormi pensando em como conseguiria pagar isso. Coincidência ou não, minha irmã trabalhava em um laboratório de exames e, depois de explicar toda a minha história por lá, ela conseguiu um jeito para parcelarmos o valor em seis vezes. Li o resultado: “carcinoma”. Apesar do nome estranho, eu fiquei tranquila. Aos meus olhos leigos aquele carocinho não era nada.
Foi só quando a médica disse “câncer de mama” que eu entendi a gravidade de tudo. Foi nesse momento que eu me ajoelhei e comecei a chorar. A médica me acalmou e disse que iria contatar alguns hospitais para tentar uma vaga pra mim. Eu sei que ela não tinha obrigação alguma de fazer isso, mas até hoje eu agradeço a Deus por ter colocado essa doutora no meu caminho. Ali começou a minha saga nos médicos, exames e hospitais.
De tudo, eu só tinha uma certeza: eu precisava ser rápida para enfrentar essa doença. Não podia perder tempo porque eu sei que o diagnóstico precoce faz toda a diferença. Meu câncer estava passando para o grau 2, ou seja, eu não podia relaxar. Depois de dois meses mais ou menos, no dia 03 de julho de 2014, eu fiz a minha cirurgia pelo SUS, Sistema Único de Saúde, e estive nas mãos de médicos maravilhosos. O resultado foi melhor do que eu esperava: eles conseguiram retirar apenas um quadrante e preservar minha mama e até meu silicone.
Comecei meu tratamento: 21 sessões de quimioterapia e 37 de radioterapia. A minha sorte foi poder contar com a minha família. Eu e meu filho passamos a morar na casa dos meus pais e eu tive a companhia da Aline, que não arredou o pé do meu lado em todas as consultas e medicações. Minha filha, inclusive, já adulta e casada, até adiou seus planos de engravidar para cuidar de mim. O tratamento é difícil mesmo. Meu cabelo e todos os pelos do meu corpo caíram, eu tive muitas crises de dor de cabeça, enjoo e fraqueza.
Um dos momentos mais bonitos dessa fase foi poder contar também com a companhia de uma amiga, que estava no fim do seu tratamento de câncer. Nós nos apoiamos muito. Mas, infelizmente, a doença dela voltou mais forte, e a levou. Não tenho nem palavras para explicar a dor dessa realidade. A saúde da gente é frágil demais. A verdade é que ninguém espera passar por coisas tão difíceis assim. Perder alguém querida e enfrentar uma doença me fizeram enxergar muita coisa que antes passavam despercebidas na minha vida tão ocupada. Eu era uma pessoa que trabalhava demais e mal tinha tempo para curtir a família. E foi durante meu tratamento que eu enxerguei o valor de ficar abraçadinha com os meus filhos e agradecer a Deus todos os dias por estar viva e respirando.
Eu prometi pra mim mesma que iria cuidar da minha saúde e encarar o tratamento do jeito mais positivo possível. Comprei perucas e lenços, passava batom, desenhava minha sobrancelha com maquiagem e estava sempre com um sorriso no rosto, tentando ser otimista, mesmo que a caminho de mais uma sessão de quimioterapia. Acredito que o meu humor e, principalmente, a minha fé me fizeram mais forte para enfrentar o tratamento. “Cabelo cresce, mal-estar passa, o que importa é que estou viva!”, pensava. Foram dois anos intensivos e, pouco a pouco, eu fui retomando a minha rotina.
Buscar trabalho é outro ponto que pode ser bem delicado. No meu caso, até que foi tranquilo. Eu senti vergonha de falar da doença e também percebi alguns olhares preconceituosos em entrevistas de emprego, mas nada muito explicito. Comecei trabalhando como ajudante na loja da minha filha, até reconquistar minha confiança como profissional. Em 2017, decidi pedir emprego em uma corretora de imóveis. Na entrevista, eu contei toda a minha história para a gerente, e dela ouvi: “Você vai conquistar tudo o que você perdeu, acredite, você vai brilhar muito. A partir de agora, o seu apelido como corretora é ‘Estrela’!”. Achei esse apelido até engraçado, mas como isso é comum na minha área, eu aceitei e agradeci. Eu não sabia, mas esse emprego foi o recomeço da minha carreira!
Levei um ano para conquistar a minha primeira grande venda. Depois, comecei a pegar gosto e os caminhos começaram a se abrir. E me tornei a campeã de vendas! Sim, eu, a consultora “Estrela”, comecei a ficar famosa na minha área! Também comecei a contar cada vez mais sobre a minha própria história para incentivar meus colegas a lutarem pelos seus sonhos. E já posso dizer, com muita dedicação e orgulho, que eu reconquistei quase tudo o que eu perdi anos atrás. Ainda não encontrei um amor, mas não tenho pressa, agora sou mais exigente! E no trabalho, meu desempenho tem sido tão bom que até recebi um convite e já tenho planos de me tornar uma coordenadora! Eu sei que a força que eu conquistei, nos momentos difíceis que enfrentei, me faz uma pessoa melhor.
Hoje eu prefiro essa Sandra que eu me tornei. Me sinto muito mais forte, madura, independente e me valorizo muito mais. Continuo fazendo acompanhamento médico, mas levo uma vida completamente normal. O câncer de mama é parte da minha história e me fez aprender muitas lições. A principal de todas é: a gente precisa estar sempre atenta à nossa saúde! Hoje eu agradeço por ter sido uma mulher inteligente que brigou pelo diagnóstico precoce, se não, talvez, eu não estivesse aqui. Tenho certeza que isso fez toda a diferença! Então eu te digo: quanto antes, melhor”.
Em entrevista para Lígia Scalise.
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