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Beatriz Traskurkemb

Beatriz Traskurkemb

“Desejo que você olhe para mim como um ser humano capaz e que busca por uma oportunidade. Meu passado não me define. Eu sou livre para construir a minha melhor versão”

Beatriz Traskurkemb, 27 anos, Indaiatuba, SP


“Eu gostaria de contar a minha história dizendo que tenho um currículo recheado de experiências e que sempre me dediquei à minha vida profissional, mas não. Eu preciso te contar os caminhos difíceis que vivi para apresentar a força que hoje eu tenho para oferecer. Vou abrir o meu coração por aqui.


Sempre fui uma menina boa aluna, dedicada, que tirava boas notas e bem comunicativa. Mas cresci num lar instável e destruído. Meu pai é portador do transtorno afetivo bipolar e minha mãe desistiu de um excelente emprego para cuidar de mim e do meu irmão. Por muitos anos eu me sentia culpada pelas crises do meu pai.


Na adolescência, senti que minhas preferências também me tiravam do ‘padrão esperado’. Me descobri homossexual e aos 13 anos comecei a andar com alguns amigos que fumavam maconha para relaxar. Aos 14, encontrei apoio emocional na cocaína. A droga me dava a falsa sensação de controle. Eu me sentia completa, confiante e poderosa. Era tudo o que uma adolescente carente e sem suporte família gostaria de ter. Eu não sabia que estava arruinando a minha vida.


Vivia uma dupla personalidade, em cada canto uma versão diferente. Fiz um curso de comunicação visual, comecei a trabalhar na empresa de um familiar para pagar meu cursinho. Eu tinha o desejo de me formar em uma boa universidade, mas senti a dor esmagadora da realidade: candidatos que estudaram em escola particular desde o berçário estavam competindo comigo que só tive acesso a escolas precárias. Meu desespero era tão grande que comecei a matar aulas para me drogar com um "amigo".


Iniciei a faculdade de História. Tinha uma cabeça cheia de ideias, mas não conseguia lidar com a confusão do meu raciocínio. Mais uma vez me senti desmoronar. E já não aguentando mais, aos 23, pedi por socorro. Parei tudo para me internar numa clínica de reabilitação. Só que o mundo não parou do lado de fora. Ao reencontrar amigos, escutava sobre suas promoções no trabalho e experiências de intercâmbio.


Na minha primeira crise de desespero recorri às drogas novamente. O declínio foi maior. As drogas me roubaram bons empregos, relacionamentos, duas faculdades que iniciei e não consegui concluir. Também me fez querer desistir da vida muitas vezes. Hoje eu sei que minhas maiores perdas foram as emocionais e espirituais.


No ano de 2017, exatamente no dia 06 de agosto, usei drogas pela última vez. A partir dessa data pedi abrigo e companhia para a minha avó. Fui morar com ela no interior de São Paulo. Lá, conheci uma organização onde usuários se reúnem para compartilhar suas histórias e oferecem suporte uns aos outros. Pela primeira vez, vi que não estava sozinha. Conheci pessoas que conseguiram largar o submundo das drogas e encontraram uma nova maneira de viver. Me inspirei, aprendi, me agarrei à isso com todas as minhas forças.


Depois de um ano e meio em recuperação, ‘limpa’, perdi minha avó para um câncer. Ela faleceu no dia do meu aniversário. Uma dor imensurável. Mas eu continuo sóbria. Cuidar de mim me fez encarar respostas que há tanto eu fugia. Numa consulta psiquiátrica, recebi o diagnóstico: transtorno afetivo bipolar, a mesma doença do meu pai. Eu poderia ter me entregado novamente às drogas, mas o que parecia uma maldição se tornou uma benção. Eu não sou burra ou estranha, eu sou bipolar. O diagnóstico me trouxe clareza e possibilidades para cuidar melhor de mim. E estou bem!


Estou enfrentando o processo de recolocação profissional e infelizmente ainda sofro em entrevistas de emprego quando sou questionada a respeito do pouco tempo que fiquei empregada ou o porquê aos 27 anos ainda não tenho uma carreira estabelecida. Mas eu tenho minhas experiências: já trabalhei como vendedora de loja de grife, telemarketing, designer gráfico e assistente de desenvolvimentos de produtos em uma multinacional. Tenho uma mente extremamente criativa. Tenho aprendido que aceitar e valorizar minha história é o passo mais importante da minha recuperação.


Hoje a minha rotina é buscar emprego, participar da reunião semanal do grupo de apoio e me dedicar ao máximo à minha faculdade de Eventos. Estou no 3° semestre e me formarei com muito orgulho em dezembro de 2021. Eu estou grata por estar sóbria e agora estou livre para construir a minha melhor versão. Me idealizo numa vaga onde eu possa criar, inovar e pensar estrategicamente em ‘inserir’ pessoas. Tenho muita vontade de trabalhar com eventos de impacto social, criando conteúdo digital e organizando eventos.


Um dia me disseram que muito do que aconteceu comigo serviria para que eu pudesse ajudar outras pessoas. Assim espero, tenho dentro de mim muita vontade de fazer a diferença. Desejo que você olhe para mim como um ser humano capaz e que busca por uma oportunidade. Meu passado não me define. Ele foi uma lição, não uma sentença. Eu estou bem, estável, sóbria e tenho em mim toda a força, competência e sonhos do mundo".


Em entrevista para Lígia Scalise.

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