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Helen Rose Santos

Helen Rose Santos

“Tenho certeza de que viver um intercâmbio na África, aos 50 anos e sozinha, já valeu muito a pena! Me sinto ainda mais forte e pronta para retornar ao Brasil e encarar uma oportunidades no terceiro setor”


Helen Rose Santos, 50 anos, São José dos Campos, Vale do Paraíba (SP)

(escrevendo direto da África)


"Nasci em uma família grande, de oito filhos. O dinheiro em casa era pouco, e precisei começar a trabalhar aos 11 anos, logo que meu pai faleceu. Fui babá, empregada doméstica, caixa de padaria e cuidadora de idosos. Não tenho muitas recordações divertidas da minha infância, mas lembro que meus pais exigiam muito que estudássemos. Eles acreditavam que só com os estudos teríamos uma vida melhor do que a deles. Hoje entendo que essa foi a maneira que eles demonstraram seu cuidado e carinho.


Eu trabalhava, mas estudava muito nas horas que me sobravam. Aos 18 anos, fui aprovada em um concurso público para trabalhar como agente de saúde na minha cidade, em São José dos Campos, São Paulo. Considero essa como a minha primeira conquista na vida! Meus pais estavam certos, estudar me abriu caminhos. Como agente de saúde, eu realizava visitas em favelas para levar informações e orientações sobre saúde preventiva. Meu trabalho era mostrar para as pessoas que prevenir doenças é melhor e sai mais barato do que as tratar. Só que muitas vezes as famílias não tinham dinheiro nem para comprar o remédio mais básico, então eu ensinava como usar ervas e plantas medicinais, do jeitinho que eu aprendi com a minha mãe e minha avó.


Aos 21 anos, celebrei mais uma conquista: fui aprovada no curso de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais. Escolhi esse curso porque queria compreender melhor o mundo em que a gente vive. Sempre acreditei que o passado pode interferir e até mesmo definir o nosso futuro. Para me manter financeiramente durante o curso, tive que economizar em tudo: morei em república estudantil, usei roupas de doações que vinham da minha família e amigos, lembro até de quando minha irmã, a Lucia, enviava o vale alimentação dela por correio para me ajudar.


Depois de um certo tempo, consegui bolsa de iniciação cientifica e também uma bolsa alimentação, pois eu ajudava a servir o almoço e o jantar para os alunos no restaurante da faculdade. Mas, apesar dessas muitas dificuldades, eu posso dizer que vivi em Ouro Preto os melhores anos de minha vida! Fiz amigos, viajei para outras cidades e tive acesso a muito conhecimento acadêmico.


Quando terminei a faculdade, fui trabalhar no Vale do Jequitinhonha, também em Minas Gerais, mas sendo um dos lugares com o menor IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, do nosso Brasil. A oportunidade surgiu através de uma reportagem de TV que apresentava um programa chamado “Artesanato Solidário”. Fiz minha inscrição e fui selecionada!  Trabalhei nesse programa durante seis anos e aprendi muito sobre o respeito pelas diferenças culturais. Até que o programa acabou e eu decidi que já era hora de voltar para casa.


Na minha cidade, São José dos Campos, fui selecionada para atuar no setor de Desenvolvimento Social do SENAC. Isso aconteceu em 2008 e comecei a trabalhar com temas de responsabilidade social corporativa e políticas públicas. Consegui grandes resultados, como a implantação de metodologias de geração de renda em bairros pobres e programas de voluntariado corporativo. Sinto muito orgulho dessa experiência. Foram 10 anos nesse trabalho, até que o SENAC encerrou as atividades nessa área em todas as suas unidades, incluindo a da minha cidade. Eu tinha como opção continuar trabalhando, mas como professora, só que isso não fazia meus olhos brilharem. Eu sempre preferi estar próxima das pessoas mais necessitadas, em campo, vivenciando parte de seus problemas e ajudando a identificar soluções. Resolvi encerrar meu trabalho.


Quando comecei a buscar emprego, percebi que todas as vagas exigiam um nível de inglês que eu não tinha. “Fazer um intercâmbio aos 50 anos? Gastar todo o meu dinheiro em uma aventura dessas, será?”, me questionei e também ouvi de muitas pessoas. Não foi uma decisão fácil, mas juntei todas as moedas da minha rescisão e desembarquei na África do Sul, na Cidade do Cabo, no início de 2020. O começo por si só já foi um desafio: me hospedei em uma família africana, que falava um dialeto. A gente se comunicava através de gestos. Foi difícil, mas, ao mesmo tempo prazeroso, pois aprendi muitos costumes e comportamentos da cultura deles.


O que não estava nos meus planos era que após 22 dias na África, iria acontecer uma pandemia mundial, a COVID-19 e, junto com essa notícia, minhas aulas presenciais se tornaram 100% online. O mundo virou de ponta cabeça, como todos sabemos, tive que também improvisar do lado de cá: me mudei para um apartamento com uma internet melhor e comecei a pensar em como voltar para o Brasil. O meu voo de retorno, que estava planejado para julho, foi cancelado. 


Nesse momento em que eu escrevo, estamos em novembro, e continuo sem data para retornar. Assim como no meu passado de estudante, estou economizando ao máximo e contando financeiramente com a ajuda de família e amigos, além de aguardar pela confirmação do primeiro voo de retorno. Mas, não fiquei parada por aqui não: além das aulas de inglês, comecei a buscar um jeito de aproveitar para me conectar com as pessoas. Foi assim que comecei a atuar como voluntária. Participo de um grupo que entrega comida para os moradores de rua e de um projeto de cultivo de uma horta comunitária. Eu ensino a plantar e colher os alimentos para consumo próprio.


Também já estou procurando oportunidades de trabalho no Brasil, em São José dos Campos e região do Vale do Paraíba, mas também nas capitais, São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Sei que preciso me organizar logo para o meu retorno e estou cuidando com carinho disso. Hoje eu busco vagas relacionadas ao desenvolvimento no terceiro setor e treinamento de equipes nas empresas. Posso ensinar sobre voluntariado, também propósito de vida e a importância da diversidade no ambiente de trabalho.


Essa parte do intercâmbio parece uma história de imprevistos, mas, apesar de todas as dificuldades, e mesmo não conquistando o nível de inglês que eu gostaria, já tenho certeza de que viver essa aventura, aos 50 anos e sozinha, valeu muito a pena! Vou retornar ao Brasil ainda mais forte e pronta para encarar o meu próximo emprego e o que estiver por vir!”


Em entrevista para Bona, 

Edição de Lígia Scalise

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